06 de setembro de 2019

Capacitações em Juruti, Poços de Caldas e São Luís mobilizam equipes na criação de um plano de ação e uma mobilização conjunta para o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb)

Capa opção (1)

 

A educação é uma das áreas de prioritárias de atuação do Instituto Alcoa e, a partir deste ano, o IA tem concentrado ainda mais o apoio a iniciativas focadas especialmente no Ensino Fundamental, tendo em vista ser este um período definidor da vida escolar.

 

Apesar dos diversos avanços no campo educacional, ainda o país enfrenta diversos desafios para conquistar uma educação de qualidade para todos e todas. Para dar um panorama da área no Brasil, assim como falar da importância do investimento social privado (ISP) nesse contexto, entrevistamos a pedagoga Maria Amabile Mansutti, diretora de Tecnologias Educacionais do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (CENPEC Educação).  

 

Maria Amabile Masutti é graduada em pedagogia pela Universidade de São Paulo (USP), com especialização em matemática. Acumula mais de 50 anos de experiência prática em educação, atuando como professora da Educação Básica, assessora técnica e gestora do Ministério da Educação (MEC) e trabalhado com formação de professores, Educação de Jovens e Adultos (EJA), produção de livros didáticos e elaboração de currículos escolares.

  

Confira a entrevista:

 

IA: Qual a importância da etapa do Ensino Fundamental na formação de uma pessoa?

 

Maria Amabile: O Ensino Fundamental, como o próprio nome explicita, é uma etapa essencial para a formação cidadã, o pleno desenvolvimento dos sujeitos e a qualificação para o mundo do trabalho, que são os objetivos últimos da educação formal, conforme estabelecido na própria Constituição Federal brasileira.

 

Os anos iniciais dessa etapa, que hoje vai do primeiro ao quinto ano, já foram inclusive a etapa priorizada pelo Estado e pelas famílias que não conseguiam garantir o acesso e a permanência em todas as etapas da Educação Básica. Hoje, pela Emenda Constitucional 59, sancionada em 2009, a matrícula escolar é obrigatória entre os 4 e os 17 anos de idade no Brasil. É responsabilidade dos pais matricular seus filhos na Educação Infantil a partir dos 4 anos e garantir sua permanência na escola até os 17.

 

Na Educação Infantil, promove-se o desenvolvimento integral da criança de até 5 anos, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade. Já o Ensino Fundamental dá continuidade à formação iniciada na Educação Infantil e promove o desenvolvimento da capacidade de aprender, construindo, assim, as bases para a formação no Ensino Médio.

 

É durante o Ensino Fundamental que as crianças – ou jovens e adultos que frequentam essa etapa na modalidade EJA – devem desenvolver uma série de habilidades fundamentais: o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo; a compreensão do ambiente natural e social em que vivem, do sistema político, da tecnologia, das artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade; a capacidade de aprendizagem, tendo em vista a aquisição de conhecimentos e habilidades e a formação de atitudes e valores; e o fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de solidariedade humana e de tolerância recíproca em que se assenta a vida social.

 

IA: Qual o cenário atual do Ensino Fundamental no Brasil?

 

Maria Amabile: O Ensino Fundamental é a etapa da Educação Básica que apresenta os maiores números: são mais de 15 milhões de alunos nos anos iniciais; 12 milhões de alunos nos anos finais; 1,4 milhão de professores e 137 mil escolas públicas nessa etapa, distribuídos por todo o território nacional. Os desafios, portanto, são proporcionais a esses números.

 

Apesar de ser a etapa mais universalizada da Educação Básica, com quase 98% das crianças de 6 a 14 anos matriculadas ou já tendo concluído este ciclo, ainda temos quase 600 mil crianças e adolescentes nessa faixa etária fora da escola.

 

Além disso, a qualidade da oferta é marcada por grandes diferenças e contrastes culturais, econômicos, geográficos e raciais, entre outros. Para se ter uma ideia, enquanto 93% da população de 16 anos do quintil mais rico da população já concluiu o Ensino Fundamental, esse índice é de apenas 63% entre aqueles do quintil mais pobre. Disparidades semelhantes se observam entre brancos e negros, entre adolescentes de áreas rurais e urbanas e assim por diante.

 

IA: Nesse contexto, quais os principais desafios?

 

Maria Amabile: Os grandes desafios a serem enfrentados no Ensino Fundamental estão relacionados à garantia de direitos. Um deles é quanto ao acesso, mas hoje o desafio principal é a garantia da aprendizagem para todos, independentemente de origem regional, nível socioeconômico, raça ou gênero.

 

A alfabetização, etapa essencial para avançar num processo de escolarização sólido, ainda é um desafio em muitas redes de ensino. Resultados da última Avaliação Nacional de Alfabetização (ANA), de 2016, indicam que 54,73% das crianças matriculadas no terceiro ano têm desempenho insuficiente em leitura e 33,85% têm desempenho insuficiente em escrita.

 

Novamente, há grandes desigualdades na garantia desse direito. Segundo a ANA, mais de um milhão de crianças das redes públicas não alcançaram nível suficiente em leitura e, na área da escrita, mais da metade das crianças das regiões Norte e Nordeste possuem nível insuficiente.

 

Outros dados alarmantes são as altas taxas de reprovação, abandono e distorção idade-série, especialmente nos anos finais do Ensino Fundamental. Quase um quarto das crianças matriculadas no último ciclo dessa etapa estão com dois ou mais anos de atraso escolar para sua idade.

 

Todos esses problemas são agravados quando abrimos os dados que as médias tornam invisíveis para a sociedade e mesmo para gestores e professores. Uma análise mais acurada dos números mostra que grande parte dos que fracassam na escola carregam estigmas relacionados à raça e nível socioeconômico. Ou seja, são as crianças pobres e negras as que menos têm o direito à educação garantido, pois muitas vezes dentro de uma mesma rede de ensino, há grandes diferenças entre as condições de oferta de escolas do centro e da periferia, como já mostraram algumas pesquisas do CENPEC. 

 

IA: Há programas ou projetos públicos direcionados a resolver deficiências no Ensino Fundamental? Há resultados que possam ser compartilhados?

 

Maria Amabile Mansutti: Nas últimas décadas, surgiram iniciativas promovidas na esfera pública que visavam minimizar alguns dos problemas apontados. Por exemplo, o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (Pnaic), lançado pelo MEC em 2012 e disseminado por todo país, surgiu como uma boa proposta para garantir a alfabetização de todos. Porém, em um cenário educacional de grandes mudanças e incertezas, o Pnaic foi se fragilizando e não é mais implementado.

 

Na esfera estadual, também surgiram iniciativas interessantes voltadas para a alfabetização e para Ensino Médio. Porém, o que se observa é que essas iniciativas, na maioria das vezes, não se constituem como políticas sistêmicas e contínuas e, por isso, seus efeitos acabam sendo reduzidos. A descontinuidade das políticas públicas é um problema especialmente sensível na educação, já que resultados educacionais consistentes não surgem da noite para o dia.

 

Além disso, são raras as propostas para tratar dos anos finais do Ensino Fundamental, em que estão concentrados os mais graves problemas dessa etapa da escolaridade: elevadas taxas de reprovação e evasão e baixo desempenho na aprendizagem.

 

Em 2019, todos os estados brasileiros lançaram novos currículos, elaborados a partir da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para a Educação Infantil e o Ensino Fundamental. A convergência desse momento seria uma oportunidade singular para construir uma política educacional que articulasse: implementação de currículo, formação de professores, produção de materiais didáticos e novos parâmetros de avaliação da aprendizagem.

 

Acredito que na esfera de atuação de cada Secretaria de Educação, cada escola, cada educador há espaços para propor novas ideias e construir boas práticas.

 

IA: Qual a importância do investimento social privado no avanço dessa agenda? Quais os impactos positivos dessa participação para o país?

 

Maria Amabile: O Estado brasileiro tem falhado histórica e sistematicamente em arcar com todos os custos para uma educação pública de qualidade, conforme consagrada no Plano Nacional de Educação: com professores bem formados e bem remunerados e boas condições de infraestrutura, acesso e permanência.

 

Nesse contexto, o investimento social privado não pode pretender “ocupar” o lugar do Estado, seja na esfera federal, estadual ou municipal, no que concerne a autonomia dos entes públicos no estabelecimento das diretrizes e rumos da educação.

 

O investimento privado pode sim contribuir para a implementação de políticas públicas necessárias, sobretudo constituindo-se como uma relação de parceria colaborativa. Uma das principais contribuições do investimento social privado e de organizações da sociedade civil como o CENPEC está em sua capacidade de criar e testar novas soluções e tecnologias educacionais que possam colaborar para o aprimoramento das políticas públicas, respeitando sempre a autonomia do poder público e os reais anseios e necessidades da comunidade escolar.

 

IA: Qual é a principal mensagem que você gostaria de enfatizar?

 

Maria Amabile: Precisamos agir rápido, pois a cada ano que passa, estamos tendo enormes prejuízos humanos, sociais e econômicos por permitir que a sociedade brasileira deixe milhões de crianças, adolescentes e jovens para trás.