30 de julho de 2021

Para especialista em educação popular, é importante ter uma causa e convocar a comunidade para transformar seus territórios

Em entrevista ao Instituto Alcoa, Tião Rocha, idealizador do Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento, afirma que é preciso valorizar saberes locais para mobilizar a participação das comunidades

 

IA Entrevista (2)

 

*Esta é a terceira reportagem da série de entrevistas com especialistas com o objetivo de aprofundar debates sobre os temas de atuação do Instituto Alcoa: Geração de Trabalho e Renda, Educação e Engajamento Social. 

 

Desde quando foi criado no Brasil há mais de 30 anos, o Instituto Alcoa decidiu que um de seus principais objetivos seria promover maior participação e engajamento das comunidades em que a Alcoa está presente.

Esse princípio, que envolve o reconhecimento dos saberes locais, é aplicado nas diferentes frentes de atuação do Instituto, como educação e geração de trabalho e renda, sobretudo reconhecendo o caráter desafiador das duas agendas. O Instituto Alcoa incentiva o voluntariado e a solução conjunta dos desafios locais pela sociedade civil e poder público.

Por conta da pandemia, em 2020 houve um movimento intenso de cooperação e solidariedade e, por isso, em 2021, o Instituto decidiu ampliar sua atuação neste campo com a criação de novas campanhas para mobilizar os territórios para as suas causas. 

A principal iniciativa nesta frente são os ACTIONs, ações de voluntariado realizadas pelos colaboradores da Alcoa para apoiar projetos e organizações locais e engajar as comunidades, criando novos vínculos e fortalecendo a cultura de doação, seja de recursos ou de tempo.

A frente de engajamento do IA encontra respaldo no Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 17, que indica a necessidade e importância de parcerias, articulações e coordenação de esforços para alcançar objetivos complexos para o desenvolvimento sustentável proposto pela agenda das Nações Unidas. 

Para aprofundar o debate sobre engajamento popular e comunitário, o Instituto Alcoa conversou com Tião Rocha, antropólogo, educador popular e folclorista, idealizador e diretor-presidente do Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento (CPCD).Confira a entrevista a seguir.

 

Instituto Alcoa: Muito se fala que o engajamento popular está conectado a uma sociedade saudável democraticamente. Por quê? 

Tião Rocha: Eu acredito que o engajamento social é motivado por causas que levam as pessoas a sairem do seu lugar e a buscarem soluções para questões que desafiam a comunidade e que são absolutamente passíveis de transformação. Trata-se de  mexer com o brilho de uma comunidade. No Vale do Jequitinhonha, em 2003, convocamos a comunidade para tirar as crianças do analfabetismo. Depois, em Bom Jesus da Selva, uma cidade do Maranhão, também convocamos a comunidade para plantar dez mil árvores. No dia 10 de dezembro de 2014, após dez meses de preparação e de um processo de convencimento, conseguimos.

 

Instituto Alcoa: A missão do Instituto Alcoa é promover o desenvolvimento dos territórios onde atua. Para isso, conta com o engajamento das comunidades. Por que é importante estimular a participação dos moradores? 

Tião Rocha:É preciso ter uma razão, uma causa, e convocar as pessoas para que se sensibilizem por essa causa. Acredito que o que se cria é tão forte, que as pessoas aderem e se colocam de forma solidária e voluntária para participar e contribuir. É necessário criar estratégias para que as pessoas se engajem nesses movimentos. Por exemplo: um amigo reuniu quatro jovens que criaram um programa de computador para conseguir doações de água e alimentos após as enchentes em Santa Catarina. A iniciativa alcançou pessoas do Brasil inteiro e foram tantas as doações, que tiveram que mudar o foco e convidar jovens de todo o país  para reconstruir as comunidades. Essa é a mobilização por uma causa.

Para mobilizar, o que se precisa é ter algo convincente. Então você poderá  comprovar a capacidade e a solidariedade das pessoas. 

 

Instituto Alcoa: De que forma causa e engajamento social estão ligados à solidariedade? 

Tião Rocha: Nós, no CPCD, criamos uma estratégia que é construir o que  chamo de banco de solidariedade, que tem a mesma  lógica bancária, mas, no nosso caso, o capital é social e chama-se solidariedade. Os clientes desse banco têm que depositar na conta o seu tempo livre e suas aptidões. Onde  te encontro se precisar de você? E o que você gostaria de ensinar para sua comunidade? O que gostaria de aprender? É um exercício onde existe reciprocidade.

Em Vargem Grande [município de São Paulo], temos mais de 300 clientes no banco de solidariedade.  Há um processo de produção de capital social muito grande que não monetizamos. Se fosse colocar isso em conta, quanto custaria? Seria um dinheiro razoável, mas não trabalhamos com preço, e sim com valores. Na época da pandemia, quando precisamos das pessoas, vieram todas porque todas  exercitaram sua capacidade, solidariedade e compaixão. Isso facilita a vida. 

 

Instituto Alcoa:Você acredita que a participação de moradores no planejamento, elaboração e execução de ações é uma forma de valorizar conhecimentos e saberes locais? 

Tião Rocha:O engajamento das populações precisa ser propositivo. Quando você entra numa comunidade e a convoca para algum projeto em benefício dela, não se entra numa lógica de troca, é um processo educativo, uma ação no plural, de complementaridade. É trocar o que tem pelo que não tem.

Quando trabalhei em Moçambique, na África, convivi muito com os Macuas e aprendi com eles que para educar uma criança, é necessário toda uma aldeia. Como educador, percebi que meu papel é convocar uma aldeia para não perder nenhuma criança. Para convocar uma aldeia, você não vai lá ensinar. Você pergunta o que sabem fazer. Então, pega esses saberes e conhecimentos e aplica na causa.

No interior do Maranhão, região com os maiores índices de mortalidade neonatal, as pessoas foram acostumadas a depender do Estado, o que não estava funcionando. Fui trabalhar em regiões onde não havia médicos ou um sistema de saúde implantado, mas havia a vontade das pessoas de encontrar uma solução.. As pessoas vinham aos pouquinhos e ajudavam com aquilo que tinham de disponibilidade. Cada mulher gestante tinha um grupo de cuidadores solidários. Eram eles que tomavam conta dos outros filhos na hora da consulta do pré-natal, era o motorista solidário ou  o motoqueiro que trazia o exame. Ou seja, um monte de gente que cuidava porque garantir que aquela mulher tivesse uma boa gestação virou um compromisso da comunidade. Existem experiências  fantásticas  que, a partir do conhecimento das pessoas, dão origem a tecnologias populares de cuidados de baixíssimo custo. São as chamadas  construções coletivas. 

 

Instituto Alcoa:Como empresas e poder público podem aproveitar os conhecimentos locais para elaboração de projetos, programas, propostas e políticas públicas? 

Tião Rocha: Um instituto que atua em um território  faz parte da comunidade. Ele é corresponsável, assim como muitos outros atores, pelo desenvolvimento local. Acredito que essa posição de se sentir parte da comunidade permite uma relação de equilíbrio entre pessoas diferentes. Não pode ser uma relação de quem está de fora para quem está dentro. O único jeito de aproveitar a potencialidade de uma comunidade é investir na parte cheia do copo. Perceber o que as pessoas têm. Não se pode levar para o outro aquilo que você acha que ele precisa. Esse é o grande problema que afeta boa parte das instituições, sejam empresas, academias ou organizações da sociedade civil. 

Grande parte  dos projetos sociais criados desde a década de 70 que tinham por objetivo melhorar a qualidade de vida de populações da região Nordeste do Brasil fracassaram porque as  pessoas não tinham interesse em conhecer o que havia naquele local e levavam o que vivíamos no eixo Rio-SP. É claro que essa mistura não daria certo, por falta de conhecimento sobre o que essa população tem. 

Precisamos  aprender a medir esse índice de potencial de desenvolvimento humano e a capacidade da comunidade. A qualquer lugar que se vá, pode-se visualizar uma comunidade, ver a sua capacidade de acolhimento, de convivência, de oportunidade. Transformação é de dentro para fora. É somar ao que já se tem, não substituir. É aprender e tirar proveito para canalizar essa energia de solidariedade, empatia, compaixão, capacidade criativa e de soluções. O bem-estar de uma empresa é o bem-estar da comunidade. Não adianta ter uma empresa ótima e uma população fragilizada.

 

*Acesse aqui as reportagens anteriores da série: